quarta-feira, abril 04, 2007

O anseio

Veja lá, ao final de mais um dia, a linda moça que corre por dentre os campos vastos e vai abrindo caminho com seu sorriso e os cabelos ao vento.
Ouça quando o sol toca a água em seu adormecer, e quando a lua impaciente já se mostra cheia por de trás dele.
Toda uma história pode ser traduzida em pequenos versos de um poeta. E esse poeta recita seus tristes poemas embalados ao timbre agudo e entonado de um instrumento rústico de cordas enferrujadas.
A moça que chega até seu destino na calada da noite sente seu aroma de cansaço. Então deita-se por sobre o feno maçio, e escuta os lamentos ritmados e rimados do poeta amargurado.
Sua vida, sua história, toda sua experiência. Os ouvidos da moça se atentam ainda mais, concomitante com o arregalar dos olhos novos.
E a noite, e o clarão da lua que define bem o pasto e as árvores negras de mistério. E a noite, e o cheiro de pecado, de ânsia e inquietez.
A lua, caminha pelo céu, de norte a sul. As notas se alteram numa tríade repetitiva. Sem variações, e sem apenas um refrão.
Mais que um poeta, mais que um tradutor das sensações de desencanto, mais que uma casmurrice atenuada pelo passar das muitas décadas, ele era um marginalizado. E com seu violão e palavras não definidas previamente, usa sua espada de cordas e escudo de retórica à favor de sua vasta caminhada matuta por sobre as águas vitais.
O casal entretido pela incoerência de emoções, se vê amurado pelo desejo acrônico de suas almas por respostas que, talvez, a vida mesmo não há de respondê-las.
A jovem deitada ali, e entregue à tentação de acordes, tenta percorrer por entre o vácuo desmedido da escuridão da alma do poeta sedutor. Em vão se torna.
Jovem rapaz, frango tenro, mancebo criado pelo mundo. Nada de compromissos, prerrogativas mil. A passos lentos sempre caminhou na beira da estrada para o sul. Lágrimas de suor, acúmulo de orgulho. Revoltoso por tudo e com todos. Sem ideologia, sem rumo, sem motivos, sem causa.
Aproveitou por muito e com todas. Galanteou, apaixonou e seduziu. Brigou, correu e tremeu.
E velho hoje fica, a cintilar rastros de amargura.
Por onde andava, por onde o vento o levou, por onde o vento parou e o parou. E lá mesmo começou a tocar. Viu a moça, muitas árvores lá distante. E com a inércia de um velho tocador, esperou até a bela se aprochegar por mais um pouco.
Para ela lhe contou histórias, contou-lhe rebeldias, selvagerias e fugas. E tocou belamente. Com tom triste, poético e compassado.
Ela, só o ouvia atentamente, com ouvidos, olhos e nariz. Mas por dentro nada lhe dizia, nada se atribuía. Com toda sua ordem, nada daquilo lhe era comum.
No final, o vento seguiu o seu caminho, levou o velho agrilhoado em seus braço transluzente. E a moça por pouco tempo que havia ali parado, foi-se embora sem ter apenas refletido.


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