sábado, junho 16, 2007

Fluoxetina

Doses incessantes de antidepressivos consomem minha insanidade, neste exato momento. Antidepressivos que inibem a recaptação da serotonina; remédio pra controlar a minha mania de fazer mil vezes a mesma coisa (transtorno obsessivo compulsivo - TOC). Há duas semanas eu tô nessa, resolveram que eu tenho um sério desvio de conduta perante aos demais. As manias se tornaram hábitos muito mais que rotineiros - obrigações completamente sem sentido. Diga-se de passagem: não sou nenhum louco, como andam espalhando por aí. Me sinto como um ratinho de laboratório, que tem a vida controlada, senão agora por remédios, antes pelos hábitos estranhos. Recomendaram acompanhamento pessoal; estão dizendo por aí que eu tenho sérias tendências para me tornar um suicida. Sinceramente, não me vejo assim. Eu sempre fui o tipo de cara que viveu entre os extremos - hora me preocupava demasiadamente com minha aparência e o que os outros poderíam pensar de mim, hora me deixava levar pelas coisas da vida sem dar a mínima. Na verdade é uma questão patológica. Sempre me deixei levar pelas coisas determinadas, como se isso representasse a verdade maior que traría a minha felicidade. Ainda vou muito mais por achismos do que por uma filosofia própria de vida, talvez essa seja minha filosofia. Resolvi morar sozinho, depois que consegui meu primeiro emprego numa firma, aonde trabalhava de assistente do assistente que, organizava os documentos por ordem de data, alfabeto, etc. Tudo muito simples. Na verdade era mais uma experiência - abandonar a casa de minha mãe era um dos meus planos para alcançar minha tão sonhada liberdade. O salário bancava bem as bebidas, para elas eu era o mão de ouro. As contas eu ainda deixava na responsabilidade de meu pai. Estava certo que, em pouco tempo, me formaria na faculdade de direito e o exerceria com tamanha aplicação que, possivelmente bancaria meu próprio carro. Eu vivi enclausurado por estes tempos que passei aqui sozinho. A minha rotina se dividia em ir para a faculdade pela manhã, trabalhar pela tarde e, nada mais pela noite. Vez ou outra dava uma de CDF, com o enorme potencial que possuía. O rádio estava sempre com uma velha fita de slow blues, que tocava todos os dias, com a mesma tristeza e sensualidade de uma roupa intima dos anos 50. A rotina me cercou, me abraçou e disse: seja minha companheira. Eu sorri e fui com ela. Para ser sincero, sempre fui um preguiçoso de mão cheia - vagabundo de dar inveja. A situação foi tomando forma, todos os dias fazendo as mesmas repetições. No começo achava legal, alimentava no meu subconsciente a idéia de estar sendo organizado. Vocês tinham que ver o buraco em que eu morava. Um arranha céus de dar inveja a Torre de Babel. Eu morava bem alto, bem perto dos céus e de alguma força desconhecida. Gastava meu tempo andando pela casa. Chegou à um ponto em que eu já estava tão automático, que nem conseguia me concentrar. Não tinha cérebro, não tinha coração, não tinha a visão. Eu possuía muito mais que isso. Eu era todo um sistema que operava em favor da minha completa saciedade. Era como uma droga potente, cada vez que me pegava e eu utilizava mais. Os vizinhos me chamavam de exótico. Diversas foram as vezes que a polícia veio aqui dar uma revistada. Quebravam tudo. Tudo em minha casa tinha a ver com super-herói. Adorava o Lanterna Verde. Me sentia mesmo como um super-herói, que vivia isolado em sua mutação. Mamãe não recebeu mais notícias. Ativaram meu corpo a trabalhar como um zumbi. Perdi o semestre na faculdade por nem mais sair de casa. A situação se agravava. Mamãe resolveu então se preocupar. Como se não bastasse, nos 20 anos de minha vida ela nunca deu a mínima, fiz meu próprio caminho e estou aqui vivo. Agora ela quer ser A MÃE. Desculpe-me, mas laços afetivos nunca foram o meu forte. Até porque valorizava muito pouco o que meus pais haviam se tornado na vida - mamãe uma sanguessuga de papai, o workaholic diabólico. Mamãe sempre na cozinha, sempre resolvendo os problemas de papai. Papai sempre no escritório, só voltava para dar boa noite. Talvez seja por isso que eu valorize tanto por ela. Hoje é uma noite linda aqui do alto. Eu posso ver como as coisas se encaminharam. Um processo de causa e efeito, do mais puro, como manda o script. Depois de minha completa auto-insanidade de imobilidade compulsiva - repetitiva e humanófoba, mamãe resolveu que era hora de interver. Papai também concordou. Eu apenas aceitei. Me sentia tão imcompleto naquele momento, que nada mais me alegrava. Nem a lua - ela está linda hoje. Me levaram numa psiquiatra qualquer; atendia num consultório filho da puta, em cima de uma tapeçaria. Ela tinha mais peitos do que algum diploma. Gostosa o bastante para ganhar o meu empenho. Eu ainda pensava com a cabeça do pinto! Passei por uma série de exames estranhos, conversas idiotas. Nada disso fazia sentido para mim. Qualquer problema que eu tivesse, estaría muito profundo para que uma aspirante a puta o encontra-se. Fui então me tratar com outro médico. Era sujeito respeitável, denovo me ganhou pela aparência. Era a única coisa que eu valorizava numa pessoa. Então começamos. Nova bateria de estudos sobre minha pessoa. Resultado: dependente de hábitos compulsivos, sujeito à ações irresponsáveis, insanidade circunstancial, suicida em potencial. Uma bomba-relógio; eu tava fudido! Mas aí tomei gosto. Aquele bendito remédio me dava umas crises de otimismo irrealista. Era uma fé por dia. Até hoje vivo nessa merda. Estudando. Tomando remédio controlado. Torcendo para não matar ninguém. E o TOC tem melhorado muito, de umas semanas pra cá. Mas o que me acalenta, neste exato momento, é a beleza da lua...

Um comentário:

Anônimo disse...

eu disse que seu forte são os contos.Outro muito bom!Espero que vc reviva esse personagem alguma outra vez,Sim gostei do estudante de direito brilhante e com TOC,ele é bem ironico e tem uma personalidade adolescente que me parece,bem como vou dizer isso...,Adolescente.Alem ser um suicida em potencial;Possui o potencial de uma incognata logo um bom personagem.